segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tosse poética

Faz noite e faz frio
Faz-se o vento feroz.
Fazem silêncios no vazio
Desfaz-se o mundo de nós.

Gritam-se universos na chuva
e nos gritos chove o nada;
Caem folhas mortas da lua,
Estações sós, erros de fada.

Somos o sentido do saltério,
a sombra breve dos enfados.
Porque são memória, mistério,
os nossos desejos, abraçados.


E ficamos, perdidos assim,
liquefeitos, urnas sentidas;
Memórias misturadas em mim
e, silêncio, ficaram unidas.

Então acordo, partido e só.
Ouço o vento forte ou unido;
Mais nada, só sombra, pó;
Estive morto e fez sentido.


18.10.10

Fotografia de Miguel Maciel

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

chamam-lhe pensamento...pensamento nulo...

Aqueço.

Sinto-me a arrepiar ao montar o teu nome na língua. Há qualquer coisa de diferente no lugar onde construíram o nome dela. Uma magia esquecida, uma linha de realeza há muito ignorada, um feitiço talvez. Mas ignoro. Digo que não é nada para ver se entra. E outra vez…
O arrepio continua lá. Acredito que se olhares para o meu pescoço o vês.

Fico quente.

Há aqueles momentos em que me vejo a sonhar com ela. Tu, num enredo qualquer, uma história contigo dentro. Lembro-me de acordar mergulhado em ti e no meu sonho. Lembro-me que a respiração me arranhou a garganta e nesse dia custou-me a engolir. Lembro-me de ti… Lembro-me dela e tenho medo de me continuar a lembrar. Porque existes longe dos meus olhos mas não perto…antes, dentro do meu coração!

Continuo a aquecer.

Sem ela vejo-me incapaz. Sem ela não me sou completo, não injecto a alegria num riso com a facilidade que tinha. Sei que tenho facilidade em prosseguir. Sei que se te esquecer conseguirei ver o horizonte mais focado, um centro mais definido na esfera falsiforme que vai sendo a minha vida… Mas sei que se te esqueço, nunca mais te lembro. E eu gosto de me lembrar da ofegância dos sonhos. Mas mais do que isso, do que eles significavam. Que ainda que me custasse engolir durante um dia inteiro, tinha uma espécie de paz, uma espécie de coisa boa que me fazia lembrar outra vez de ti. Que ainda que doesse, sabia que era por tua causa. Que ainda que sofrer, me dava um poder mítico qualquer de dominar o meu corpo. Dominá-lo com a construção perfeita do teu nome. Dominar-me com ela… Dominar-me!

Pequena fervura.

Há quem diga que sofrer é bom porque constrói as pessoas. Dizem esses que a personalidade é um fruto de sofrimentos. Pois eu acho que estão mal. Sofrer é partir a personalidade. É humanizá-la. Nascemos como somos. Nascemos perfeitos, intocáveis. No entanto é o sofrimento que nos faz humanos ou então não seríamos mais do que um cão. Mais do que um animal.
É assim que me vejo. Vejo-me a sofrer por causa dela. Saber que ela me parte várias peças do corpo. Saber que sem ela não me junto, não me dou como um ser único, como uma personalidade conjunta, concreta em si, funcional. Ostento portanto a ansiedade continua de a ver. De te ver como vejo nos meus sonhos, onde existes de uma forma interna, dentro de um cérebro a que chamo meu. Saber que és tu, livre de domínio mas dentro de mim. Compreender que, à noite, antes de adormecer, me arrepia o pescoço porque começo a lembrar-me de ti. E caem as lágrimas, sujam a almofada da dor que vou carregando. Uma espécie de osmose sentimental ao lembrar que talvez sejam os teus olhos espelhos literais da minha imagem, como a água que emana das montanhas que choram lá longe, num mundo à parte. Um mundo onde se constroem pessoas perfeitas. Um mundo de nomes iguais e desiguais na perfeição. Um planeta onde só existimos eu e tu, juntos e separados em domínio e existência, um pensamento desfocado. Uma noite mergulhada num subconsciente bom e lacrimejante. Uma espécie de coisa irreal. Um sonho…o meu sonho contigo! Porque ela é para mim como um suco divino, é-me um entrelaçar de dedos num caminho entre pinheiros, uma estrada nossa, imperfeita e transviada de sentido. Talvez seja isso que a faz especial. Talvez seja essa estrada sinuosa que a faz tão vertical, tão perfeitamente humanizada. Tão minha como eu queria que fosse.

Ebulição

E continuo a querer-te perto, a precisar de ti para respirar normalmente. Há muito que guardo um ar para respirarmos os dois, juntos e unidos, mas vai-se esvaziando, explodindo ou implodindo assim, entre nós…no meio de mim. E tenho algo nas células, uma doença congénita, crónica ou aguda qualquer que me vai comendo o norte. Um apertar de pescoço, um sufocar de cérebro onde a tua imagem desvanece. Mas luto, e tenho forças incontáveis para repelir o pensamento. Hordas de lembranças, arrepios e sonhos perfuram a minha doença. A doença a que chamei saudade. Porque viajo sem norte num mar furioso. Sinto-a oceânica então, a engolir a distância que nos separa. Caramba! Odeio o meu coração fraco. Matá-lo-ia se não dependesse da sua incompetência, e onde cada inspiração faço-a aos solavancos entremeada no seu nome perfeito. Um contaminar do oxigénio que engulo a cada segundo, esse, o das letras que dão vida ao meu pescoço.
Respiro-te. Agora até a minha respiração, um sistema que não controlo, de que necessito para que cada célula doente viva, até isso já te pertence. Eu, que tinha medo de me lembrar dela faço-o agora, inconsciente do que me podia salvar, inteirado na perdição perfeita onde existo neste momento. Uma ebulição de pensamentos sobre ti, memórias de beijos e abraços silenciosos onde quem nos fala são o vento e as sua sombras. Assim, abraçado a ela, vejo-me hipertónico. Porque até um toque superficial é capaz de dar voltas no estômago a que já não chamo meu. Agora nada é meu quando me agrilhoo nos teus braços, na vida que magicamente o teu nome é capaz de criar, de subscrever, de sublinhar em mim, na minha pele e nos nervos que ascendem ao meu cérebro. Talvez seja por isso que sonho com ela. Talvez…mas não sei. Nada é certo.
Estou perdido numa coisa que sei o que é, que sei como fugir. Numa coisa a que consigo escapar. Mas, ironicamente, contra tudo o que a História ditou de homens inteligentes, comandantes vorazes, imperadores e conquistadores…eu, simplesmente, não quero. Talvez goste demasiado da estrada sinuosa se entrarmos nela assim, com os dedos encruzilhados. Afinal de contas, vai sendo ladeada pelos pinheiros que testemunharam isso mesmo, as nossas mãos a unirem-se. A juntarem-se, partes dos nossos corpos, assim…livres do nosso domínio. E ainda falava eu em dominar-me a pensar em ti. Em dominar-me quando me doía a garganta. Louco e néscio me sinto agora quando se esgotam as letras para falar da minha doença. Mas, acima do mundo e do universo e acima de tudo o resto que possa existir para lá disso, esgota-se em mim a paciência, o espírito de resignação. E fico-me, assim, agora, no fim disto onde ponho as letras, e com fraqueza em meter aqui as tuas. São demasiadas e demasiado perfeitas. Têm demasiada dose de plenitude em cada milímetro que as constitui.
…faltam-me as…forças…quero apen…penas…dizer, que…que te… (suspiro)

Arrefeço

Fico quente.

Fico frio.

Gélido.

E volto a aquecer…



6.10.2010




Fotografia de Miguel Maciel