terça-feira, 17 de agosto de 2010

Onde estás?

O relógio marca as horas que não passam. As horas que espero por ti e não vens…
Encosto-me à parede branca e pálida de tanto absorver a tristeza da minha aura, a ansiedade de não vires, o meu pensamento sobre ti. No meio de todos estou eu, marcado por uma ausência desconcertante, desconfortável. Passam as horas e não vens…onde estás?
A dúvida abala-me e acende-me a inconsciência. Amo-te e não vens…amo-te e não estás… Penduro-me num sentimento leve e fluido, que se prolonga no tempo, num tempo que não sinto, num tempo que não passa porque não estás no tempo. Não estás sequer no espaço a desfrutar do tempo. Vives outro espaço e outro tempo distantes do meu, talvez felizes, talvez não, suficientes para me contrair à saudade no tempo e no espaço onde existo sozinho! Onde estás? Porque não vens?
As lágrimas transbordam-se pelos olhos e reduzem-se a vapor porque tenho medo de chorar. Tenho medo de ti, de dizer que te amo, de te amar! Quando estás tenho vergonha de te olhar directamente e, pelo canto do olho, me escapam pestanejares tímidos e incontroláveis que se esforçam para te ver, a ti, num momento concreto…agora que não estás, quero-te ver, olhar-te, saciar a minha fome em ti e na tua figura, na tua existência incómoda quase violenta que queima o meu coração!
Os momentos continuam sufocados pela tua materialidade ausente, como se a ausência de ti atrasasse os ponteiros do relógio. Sinto-me a deslizar por sensações cada vez mais estranhas e pressinto-me do outro lado, do lado mau da realidade, na inconsciência da tua vinda. Talvez um dia, a oportunidade de te olhar directamente os olhos seja tão constrangedora ao ponto de me sentir obrigado, forçado, a vomitar o que sinto por ti. Volta e marca a tua existência perto de mim. Força-me a sentir os escrúpulos saídos de mim para te olhar. Onde estás? Onde estás?
E tudo continua igual, eu aqui e tu lá, não sei bem onde porque não te vejo ou sinto. A igualdade do tempo que passa e do espaço que não acompanha, … é como um comboio, que foge imprevisto da estação mas que, pelo carril, se sente a sua presença, se ouve a sua existência, se anseia a sua volta.
Onde estás? Quando voltas?






Fábio in 23.03.2009

viagem

O tempo incontável. Os milénios inscritos em segundos. O tempo de passar a margem do consciente para o obscuro da escuridão reluzente dos sonhos. A ponte para a beleza espinhosa do sono. Subconsciente. Inconsistente da atitude de querer dormir. Treme a mente, o transe apodera-se. Domina o caos durante milionésimas de segundo. Lembro-me vagamente da hora em que adormeci. Olho o escuro ao fundo do túnel. Penetro nele. Involuntário sou atraído para ele. Inconsciente. Vejo imagens soltas do meu cérebro. Sinapses perdidas. Vejo episódios esquecidos. Vulgaridades quotidianas. Escolho uma.
Algo acontece. Sou conduzido por um espírito desconhecido. Algo acontece sem que me aperceba. Mexo-me nos lençóis por instantes. Não sinto nada cá fora. Estou preso por mim mesmo. Quero sair de mim, mas fora o relaxamento aprisiona-me. Os meus olhos internos arregalam-se indignados, como que paralisados sem saber o que fazer. Resigno-me a ver isto. O pesadelo toma conta de mim. A minha respiração acelera-se e eu durmo profundo no destino negro que me leva a noite. Vou morrendo em pedaços pequenos de vida. Lâmpadas, estalidos e folhas secas. Um intervalo único entre imagens de um caminho. As árvores ao lado a engolir a noite onde me asfixio nos mantos. Fedo num hálito enjoativo e num contorno de sujidade falsiforme. Passaram já horas desde que adormeci. Lá fora a luz entra nas frinchas da janela e evapora-me um liquido qualquer, uma nojice nas pestanas. É incomodativa a interferência do sol na noite onde ainda existo. Sufoco. Agora a água pressiona-me a traqueia. Inevitabilidade da morte. E contorço-me, esmago-me nos lençóis, rilho os dentes. Um suor sublinha-me o corpo…e acordo.
Afinal são três horas da manhã.



Fábio in...can't remember

'inexplicabilidade'

Inexplicável. Quando os rumos dos nossos olhares se cruzam, quando a nossa respiração acelera ao mesmo ritmo, quando tu e eu nos unimos pela força invisível mas existente de algo, quando tudo acontece ao mesmo tempo e nada acontece ao acaso, acontece. Acontece o acontecimento neutro, voraz, feroz que dentro de nós anseia por sair, anseia por fugir, anseia por se denunciar. O inexplicável acontece. A ciência é nula, a magia é constante. Inexplicável. A explicação não compreende. A compreensão não explica. As mais diversas e aplicáveis teorias não se moldam ao tudo o que um olhar transmite. Não compreendemos o momento. Não o explicamos porque é inexplicável.
Inexplicável é a ponte invisível, sólida e ténue que nos liga. Conecta-nos.
Inexplicáveis são as tremuras que sentimos debaixo da delicada pele que nos deixam imóveis.
Inexplicável é tudo o que acontece ao mesmo tempo, no mesmo instante, no mesmo lugar. Nada muda. Só tu e eu. Nós. Estamos no tempo. Estamos no espaço. Sem conseguir sair, contudo, sem querer sair. As horas são infinitas naquele segundo. O universo foge, desaparece. Desaparece tudo e desaparecem todos. Estamos ali, sozinhos. Presos por um olhar que nos liga, interliga. Sentimos um arrepio multiplicado por muitos, como uma brisa de uma manhã primaveril ainda apegada aos rigores do Inverno. O calor que nos incomoda, denuncia-nos. Fala por nós aquele calor mágico.
Aproximamo-nos.
O metabolismo do nosso olhar emerge pelos passos que damos. Somos empurrados por algo inexplicavelmente confortante. Ali, naquele lugar, naquele instante somos um. Somos um unido por nós. Somos um unido por olhares atentos, disfarçados de intentos que um olhar impinge. A imponência desse olhar revela o mais fraco que existe em nós, dentro de nós, entre nós.
Tocamo-nos.
Ouro. Brisas perfumadas. Harmonia. Nuvens de duvidas assaltam-nos embaciando-nos a vista. Perguntamo-nos se podemos fazer isto ou aquilo. Será que posso tocar aqui. Sem responder a nada continuamos. O inexplicável aconteceu, acontece e vai acontecendo. Os nossos corpos, inconstantes na sua forma, variáveis na sua temperatura, moldando-se no seu interior, aproximam-se. Os braços abraçam. As pernas paradas. Dançamos ao sabor do momento. Sem nunca sair do lugar, dançamos valsas e tangos à medida que nos sentimos reciprocamente. Desejos que se anseiam por dentro, que se “inexplicam” por fora. O que se desejava, realidade se torna. Como um pressentimento enaltecido pelo pensamento que inexplicavelmente acontece e nos deixa incompreensivelmente pensativos.
Beijamo-nos.
Miraculoso é o toque. Milagreiro se torna o momento. Cura mutuamente os sentidos. Acalma-me os sentimentos. Os lábios juntam-se num só. Avermelham-se enternecidamente. Garridos mostram o inexplicável lugar que nos oculta, que nos esconde. O sabor vulgar, misterioso da língua identifica-nos. Agora estou dentro de ti e tu dentro de mim. Unidos pela suave e fixadora sensação de sermos o outro. Pilares se constroem dentro de cada um. Dentro de cada um visões são transmitidas. O teu calor interno abala-me, amortiza-me. O paladar é doce como o açúcar e saboroso como o chocolate, é o melhor que pode haver, porque naquele momento somos nós e não eu ou tu. É inexplicável porque é nosso.
Acaba. Olhamo-nos. O fio dourado ligado aos nossos olhos rompe-se pela mesma força inexplicável que o criou. Contudo, agora o fio não nos liga. Agora nada nos liga. Agora, somos um, conectado pela existência de que somos de alguém. E que num dado instante, onde o tempo parou e o espaço deixou de existir, fomos um corpo, abraçado por um pensamento, sentido por um desejo, saboreado por um beijo.



Fábio in 4.11.08

Equações do Vento

Morrem as árvores do lado frio da janela. Crucificam as últimas folhas nos galhos escuros com formas que lembram o fim. Porque ali estão, altas e nuas, incompletas pela força do vento que passa algumas vezes. E permanecem em pé, do lado frio do vidro, seguras ao chão como as árvores altas…



Vai passando gente, dividida em passos apressados, com os cabelos enfurecidos pelo vento. Não me vêm porque não olham nem querem olhar, pois os olhos fogem-lhes entre as esquinas e entalam-se entre o chão e o céu. Contudo, qualquer coisa muda. O céu foge mais lento e a janela desfoca as árvores porque respiro mais rápido.
Não sei, mas penso-me lá fora enquanto a chuva começa a limpar o ar com gotas que parecem suor. Quase que me aquecem…
E os pingos caem lentos, seguindo regras específicas, em sítios planeados pelas nuvens. Imagino-os em equações perfeitas, com resultados únicos, tão únicos como as esquinas que aguçam os prédios ou tão afiados como os galhos.
Vejo o ar encharcado a molhar as folhas mortas, trazendo lágrimas que se choram lá longe…
E o momento prolonga-se, embaciando o vidro com uma espécie de ansiedade qualquer…e pergunto-me porquê.
Porque os meus porquês fogem como os entretantos metidos no meio da chuva. E no meio de mim tremo de frio…










Fábio in 22.01.2010

Não-Vento


O vento asfixia as árvores lá fora. Sinto-as a sufocarem, a silenciarem-se devagar no sozinho da noite. Parecem não se mexerem e não morrerem. Ficam-se ali, assim desnudas, sofrendo arrefecidas. Nada fazem senão agitarem um ou outro ramo que parece desfalecer. Evitam lutar com os mais grossos, os mais fortes, porque o vento é ágil. Vão morrendo, uma a uma, entaladas no vento que assobia.
E faço-me de testemunha com a persiana entreaberta, inoculando as sensações que não recebo do vento. Não lhe sinto os socos, o cheiro ou o suor. Não lhe sinto o corpo musculado. Não o vejo… Apenas agarro à retina a imagem das árvores a tremerem por um espírito que se faz assobiar.
Aproximo-me da janela.
Quero ouvir o rancor dele, do ar rápido. Quero sentir a prisão dos seus braços no meu pescoço. Quero que me arranque os cabelos… Quero sangrar!
Encosto o ouvido no vidro.
Talvez um sussurro defina o sinal? Rouquidão pura, lenta como o ranho a cair, enquanto a persiana abana um pouco. Sei que vem de cima, do alto da fachada. Quero vê-lo!

Destranco o vidro… Abro-o devagar, incauto. À medida que desliza, pela abertura ele penetra. Vou abrindo mais e ele entra mais, rompendo as cortinas com fomes de bestas. Vai entrando e aumentado o seu circuito, a sua órbita em mim, devagar e só.
Lanço-me lá fora.

Continuo sem o ver… Procuro o vento lá em cima, ao redor do céu, pelas esquinas da escuridão, debaixo das raízes. Nada… Porquê?
Não o vejo, nem ouço. Não sinto nada nas árvores. Nenhum rumor de mundos, nenhuma estrela colossal, nada!
Não me esgana nem esmaga. Parece que faz a lua ter frio. Parece que congela o limite do universo e exclama silêncios. É calado e hipócrita. …mas não o vejo.

Aqui, no meio do pátio, com a visão do meu quarto de janela aberta. Nada aconteceu como arranhara a memória. Tanta quietude, tanto nada na noite…tanto vento. Só isso, vento… Nenhum grito que possa captar, nenhum punho que me faça cair, nenhum espírito a que possa dar nome. Só isso, vento.

Sinto a boca seca porque dela me sai o vazio. Ou talvez palavras esvaziadas…não sei.
Talvez gritasse agora. Para quê? Porque não me ouve aquilo que não vejo…

Acordo, abro a janela, mecânico.

(suspiro)
É de manhã (suspiro) …
…e está a chover.


06.03.2010