domingo, 11 de dezembro de 2011

Sentido natalício

Passa pouco da meia-noite. Peço ao mundo que me ouça, o silêncio do meu pouco entender. Ouve-se do outro lado do velho muro o luar entrelaçando os ossos numa frieza antiga, um carro atulhado em ruído, árvores que silvam ao vento. Já não sei o que fazer, em que cidades construir o meu planalto sem horas que me sufoquem. É quase natal, uma nuvem quase negra essa, a que com esse nome se mascara de luzes e pinheiros…e sorrisos falsos!


Falta-me o ar. Falta-me um futuro fogoso. Porque, inevitavelmente que se saibam, entrevem-se algures os ferros, escondidos atrás dos dias e das noites, pregos sós prontos para me pendurarem à cruz. Sou a batalha fétida da depressão, momentos exangues de sentido… Sou-me perdido em frente a um ecran branco de podridão. Morre maldição. Mata-te ó corpo.


A luz começa a fruir pelas frinchas da persiana. Já de manhã? Levou o tempo a melhor de meu preceito, da minha dor continuada. Terei eu de testemunhar este homicídio protagonizado pelos relógios da vida, ponteiros lavados em sangue e medo? Faça-se justiça nesta merda deste mundo, diluam-se os instantes no ácido da História! Mostrem-se ó Deuses, ó divinos que se falam pelas montanhas e pelas cidades; sente-se cada rei no seu trono e erga o corno da sua guerra; lavem-se mãos nojentas dos crimes que afagaste, no veludo negro dos cérebros.

Será demasiado pedir que uma palavra se faça ouvir? Uma paz, uma alegria, um viver qualquer. Olho lá para fora e já é noite. E se enviasse esta carta ao pai natal? Talvez uma carência psiquiátrica, um imaginário falso, uma realidade minha, inventada…talvez isso me ajude, me condene…me deixe tão morto como eu quero estar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

sou exangue

Uma memória metralhava
Uma fina saudade só
Entre silêncios cantava
No meu cérebro em pó.

Um clangor suave
Um desvanecido pecado
Calvário bom, grito grave
Como quem gosta de fado.

É isto, escrever sem ler
O que sussurram as memórias
Pedaços de ti, pedaços de ser
Sem que o sejam as histórias.

Falar alto ao mundo
Ou deixar de olhar a lua
Ver-te passar, tocar o fundo
Deixar de existir, pensar-te nua.

Porque me morre o olhar
Onde explodiu o teu vulcão
Saber, sentir, ver-te falhar
E reconhecer-te a perfeição.

Naqueles lados obscuros
Onde se sente até o ar
Falaria entre silêncios duros
Silêncios sós, nosso beijar.

E penso-te toda, assim
Entre peças de um sangue
Sou o que meteste em mim
E que tiraste. Sou exangue.




19.7.11

quinta-feira, 7 de julho de 2011

acabou

Deixei-te um sonho que já não arde. Que já não crepita, já não respira. Abandonei-te sob as margens etéreas do nosso passado, aquelas onde nos costumávamos beijar e abraçar. Em breve, entre lâminas e sagas, escreverei histórias sobre nós e nossa falência quase crónica. Porque nunca nos fomos destinados, nunca escrevemos no mesmo papiro ou no mesmo livro. Fomos, um por si, dois. E por isso te deixei nisso, nessa espécie de alavanca estragada, morta por futuros que nunca existirão. Eis agora que, entalados nestes momentos frios, vejo passarem-me pelos olhos os segundos em que não sosseguei, que não consegui descansar nos teus olhos, que não saboreei os teus lábios. Vejo-te perdida na cordilheira que é a solidão, balançando nas montanhas, segura apenas pela esperança vazia com que tentas manter a nossa relação. A relação que eu matei, asfixiada ao limite…hasteando sobre o seu sangue uma bandeira quase suástica. Larguei a tua mão no meio do deserto, no oculto negro com que se destroem nações inteiras, com aquele único número que desactiva o motor que gira o mundo. …Não percebo até onde vai o meu atrevimento, não prevejo até onde escreverei isto, esta coisa, esta condenação.

Enforquei-te e deixei-te pendurada. Depois, com o cadafalso caído, contorcias-te e eu via, neutro, imóvel. De quando em vez gritavas no sufoco, clamavas pelo meu nome e pelos beijos que, por meses, ansiaste. Morreste em frente a mim e eu observei. Quase que me lembro de tudo. A nossa relação, contigo dentro, a desesperar, a ficar, a engolir-se. O universo - agora o sei - fez em ti o desígnio que eu, ostensivamente, procuro. Tu, na tua beleza óbvia, mostraste-me o poder que existe em cada molécula, em cada pesadelo, em cada toque. E eu percebi que há poderes inexpugnáveis…e outros que não.

Eu olhei-te. Estavas estendida sobre ti no meio da sala. Tinha-te deixado na forca da nossa relação. Foi aí que eu disse: “Acabou.”…tu respondeste: “Eu sei.”

…e só aí….eu chorei.







7.7.11

terça-feira, 5 de julho de 2011

Feira do Livro: Criatura Pedinte

Há - desde há muito tempo - uma criatura que deambula por lá, com um fedor orbital e uma aparência, digamos, inapropriada. Ninguém lhe sabe o nome, a idade ou a justificação de, durante boa parte do dia, estar, efectivamente, ali. Não que esteja simplesmente, não, ela está e faz. Alia quase perfeitamente o espaço e a consequência das coisas para que, a dado momento, o seu objectivo se concretize para a próxima injecção. Nisto (creio) se resume a, digamos, vida desta criatura.

O método é simples: Olha, vê alguém possivelmente abastado (a quem tem a decência de chamar “Doutor”) ou com um excesso, quase numérico, de compaixão e, inevitavelmente, ataca. Fá-lo como um predador, marca e persegue a presa até ao limite. Uma vez a presa extorquida (ou não), avança e repete o processo, com uma pujança invejável, sem qualquer noção escrupulosa, se preciso for, ali mesmo, na pessoa ao lado. A coisa torna-se ridícula quando se reflecte – tal como um predador animal, e portanto irracional – sobre os mecanismos que usa. Como já falamos, o fedor de tal intensidade que, quando cheirado, facilmente se percebe que é, não falta de higiene, mas uma arma concebida e desenhada – e, portanto, pensada - para uma tarefa específica: não se suporta por mais de 12 segundos.
O segundo mecanismo é, veja-se, a voz. Num primeiro estágio, tal como uma estirpe virulenta de uma doença, olha-se e repulsa-se aquela criatura. Uma voz que, mesmo antes de enunciada, anuncia o terror dos próximos momentos: tudo na boca está mal criado, semelhante a um erro divino, impensável e destituído de qualquer misericórdia. Mas ainda assim, e sabendo-o certamente, a criatura prossegue. E vem o som. Coisa penetrante dado o volume com que fala, injectando nele a quantidade de decibéis representativa da vontade ressacada que tem de, literalmente, injectar nas veias a próxima droga. Tudo isto cria, no segundo estágio, embaraço. Uma diminuição significativa do primeiro que não possibilitava qualquer vislumbre de sucesso. O cheiro, esse, aumenta exponencialmente à medida que os segundos ultrapassam o limite imposto, quase por inconsciência, por todos.
Terceiro mecanismo: a frase. “Senhor(a) paga-me uma sopinha que tenho fome/necessidade de comer?”. Tudo, aqui, está certo. A educação que aplica no sujeito, o diminutivo psicológico que emprega e a razão – animal, e por isso, universal – de comer. Até aqui, se a criatura não tivesse metade do cérebro derretido, o sucesso seria alcançado. Na presa, uma vez iludida numa visão horrenda e embebida num cheiro nauseabundo, aquela frase atingiria, passando por sucessivas barreiras monetárias e cerebrais, o movimento tão selvaticamente ansiado: meter a mão ao bolso e tirar uma quantia singela de moedas.
Mas, seguindo o equilíbrio do universo, nada é perfeito e o erro torna-se peso de balanço numa acção que se presumia perfeita. E esta criatura não é excepção. Estando a presa no único momento que tem de consciencializar o que ouve, cheira e vê à sua frente, naquela hesitação que permite a segurança de um humano face aos perigos do mundo, aquele não mais do que um segundo de pensamento, o predador insiste e aplica mais uma série de mecanismos de erro – ou de equilíbrio. Começa pelo toque material. Aplica na presa uma força não civilizada de pressão. Chega, por vezes, mais longe, não tocando mas agarrando, sentindo a densidade e o peso do objecto. Até, em certas pessoas mais relutantes, aplica a força das duas mãos. Nesse momento, aqueles segundos de pensamento tornam-se noutra matéria distinta desprovida de razão: em instintos. Já não se trata de dar dinheiro para manter a existência de alguém ou para suster a sua orgânica. Não se trata de pensar sobre o assunto. Trata-se de recorrer a todos os métodos para acabar com aquela espécie de contaminação, ainda que imaterial, de liberdade sem penas nem consequências. Torna-se então crucial o afastamento – como um medicamento prescrito pela circunstância.
Neste ponto da investida, a fase da “doença” inicia o processo de remissão a um ritmo galopante. Já não basta dizer que não, que não se tem dinheiro, que não se quer ou até, como já ouvi, que se está enjoado. Não. Para sair daquela prisão - construída ainda que sob plurais razões de vício – é necessário suster a respiração (o cheiro tornar-se-á, a certa altura, execrável) e dizer: VÁ SE EMBORA, PORRA! – as variantes menos sociáveis também se ouvem com invulgar repetição.
O predador, recebida a mensagem, declara o seu insucesso num silêncio que por ser neutro provoca na vítima, não apenas o auto-desprezo mas o significado absurdo que aqueles minutos acabaram de ter na existência da criatura. Com uma normalidade incómoda, o predador – agora derrotado – saí, com a triunfante marca da neutralidade, e aproxima-se de outra presa. Este intervalo que vai da derrota à nova eleição completamente aleatória – ainda que sob razões pragmaticamente fundadas – de uma nova vítima dá-se instantaneamente. Vê-se que aquele cérebro não trabalha de forma autónoma, como elemento fulcral na orgânica de um corpo, ou ainda como controlo desse mesmo corpo. Ali está enterrado em metal liquefeito a programação de um acto que dura durante breves minutos, simplesmente com o âmbito, não de comer, não de prazer, nem ainda de viver. Vive-se, naqueles breves minutos – que não são senão a vida da criatura repetida infinitas vezes – para o comprazimento que outros segundos têm naquele cérebro: a seringa rápida no interior do cotovelo e a absorção e prazer instantâneos. E, fazendo de si elemento único da realidade, com um sistema jurídico autónomo, vai julgando quem vê, mancando obsessiva e silenciosamente.

Mas passam as horas e, mesmo elegendo vítimas rua acima, nunca se deixa de ouvir, com maior ou menor atenção, como um zumbido inquietante, a já prodigiosa frase: “Senhora, pague-me uma sopinha!”

terça-feira, 21 de junho de 2011

última desconjuntada conversa

Faz calor. Esmigalhaste-me o coração que te dei, sem retorno, com a vontade de mil anos de amor. Ao meu redor vemos os taipais de plurais cores, garridos à força do sol do meio-dia. Falo para ti, desta forma, porque sei que me tentas ouvir. E continuo a falar.

Já pensaste naquelas férias que íamos fazer? Tinhas pensado no Havai. O teu sorriso cintilava quando te falava poeticamente do hotel onde poderíamos estar. Um pequeno pedaço de mundo só nosso, banhado pelos oceanos que molharam os corpos de antigas rainhas. O sol douraria sobre a baía numa conversa calma e excitante com as areias do nosso abraço. Juntos, numa espreguiçadeira só, tu e eu, ouvindo o lento marulhar das ondas, as falésias a invejarem o longínquo horizonte, e as nossas roupas – todas elas – a mirrarem o céu acima, desejando o ardor dos nossos corpos. Parece que me lembro dos detalhes todos. Mas acho que não queres ouvir o que já ouviste.

Ontem, perto do talho, um homem perguntou-me por ti. Uma criatura esculpida com as formas com que outras mulheres se excitariam. “Quem é você?”. Josh Phelps, o nome dele. E disse-me que era teu marido. Há doze anos.
…as lágrimas lambem-me a cara agora, fico sem vontade de falar para este pedaço de calhau.
Só te digo que, onde quer que estejas – se é que estás nalgum sítio – esta foi a nossa última conversa. Despedia-me de ti com um beijo mas, agora que vi o teu querido Josh a sair daqui, espero que ardas no mais atrofiante dos infernos. Se achares que te dá proveito deixo aqui a nossa aliança. Vi com ela as nossas bodas de prata. Enfim… Pode ser que nasçam dela os teus filhos Phelpszinhos. Comigo e com o meu futuro não interfirás. Nem tu, nem o oblíquo da tua morte.
Despeço-me deste cemitério taciturno e com ímpia raiva de Phelps. Mas com mais raiva do que li na tua urna, durante meses. “Elysabeth Gray, Casada com Robert Gray.”

Ao sair, fez-se no meu rosto um lúgubre sorriso ao imaginar-te, enclausurada naquele carro, completamente desfeita em sangue, a gritar: “Josh!...Alguém! Josh...! Acudam!”…e ninguém te estender um dedo sequer.





SaintBroken 21.06.11

terça-feira, 14 de junho de 2011

Breve alucinação

Eram as sombras breves que se destacavam, já fracas, no dia que anoitecia lá fora. Ele ali, de frente ao ecrã, envolto no frio que uma ou outra memória iam deixando sentir ficou, simplesmente. Em nada se soltava o pensamento e a cadeira inclinara-se lenta, calma e dura, quase estável até conseguir fechar os olhos. Seria bom pensar, ainda que entorpecido, entardecido talvez pela chuva que se sentia avizinhar. Três da manhã. “Seria bom pensar…” Adormecera.
Uma cavalgante alucinação. Inconsciente do seu rumo a saliva caía, escorrendo de um dos cantos da boca, pesada como ferro. Ele entraria na noite, esgrimindo os sonhos numa devassa luta até aos portões da manhã. A alucinação, por esta altura, respirava mais baixo, num tom suave, sangrando lentamente esta memória que aqui escreverei. Nada de mais extraordinário se passaria ali. O frio apertaria em coro com o tempo e a cadeira, dura, não sofreria movimento. A saliva, a dado ponto, achar-se-ia sem reposição numa boca que ia secando entre os oxigénios trocados nos pulmões. No meio de uma atmosfera quase informe, as palavras formaram-se no núcleo da sua mente e – sem que o soubesse – a alma encheu-se…

. Reparei que estava sentado. Tu, só, à frente dos meus olhos. Depois a conquista, o campo de visão aumentado. Mais pessoas, ainda que desvanecidas. Mas só tu estavas, numa exuberância belamente esculpida, nítida ao que parecia ser o preambulo de uma conversa. Conseguia ver-te, numa divisão qualquer do meu cérebro, tal como és: A tua face escavava um sentido mórbido de violência, fazia-se mostrar no orgulho de uma bênção divina, como se a tua cara, os contornos, os pormenores, as cicatrizes fossem – tal como são – detalhes de uma pintura. Nos teus olhos vinha o brilho que, ao alvorecer, fazias questão de reluzir quando o sol sossegado entrava no nosso quarto, ainda enfraquecido pela noite. Os cabelos deixavam-se cair dos ombros magnificamente, enrolavam-se em pequenos tufos nas pontas que, pela luz que entrava do vidro, floriam a mais justa das purezas. Íamos no metro, sentados frente a frente. Os teus olhos azuis olhavam-me sufocantes. Os teus lábios pequenos enclausuravam-se no teu pequeno silêncio. Estavas fria e dura tal como a cadeira e o ar fora da alma onde a saliva secara. Os meus olhos percorriam o teu rosto, fazia-o num traço pouco conhecido, um trilho por onde povos antigos se perderiam. Foi aqui que, cá fora, balbuciou um nome. Dentro, começaste a falar.
Em nada fazias sentido. Palavras desencontradas, desconexas, um turbilhão de sons que talvez fossem desterrados de um qualquer pedaço do meu cérebro. Nada se alterara por fora. Ele continuava-se e ia-se continuando, perdido no ventre da noite. Então, a importância vital do teu som destruiu-se. Começaste a inclinar-te. A distância ia diminuindo, uma emoção cardíaca fulminante trespassou, fraca, depois mais forte e mais forte. Um comboio de espasmos e convulsões concluíram-se naquela magia, aquela fonte de nutrição. Senti, como se a realidade fosse aquilo e não a cadeira ou o frio, senti tudo. Os lábios, o movimento gracioso do calor e das cores enrubescendo, as línguas a sujarem-se de sabor, as lâminas entroncando a excitação nas coxas. Tudo fazia sentido, tudo estava ali, no alcance que eu sempre quis. Já nada se dava por concreto, por informe, por imoral. Fizemo-lo, ali mesmo, o amor que outrora, nos reinos da glória, um rei poderia desejar. Um reino nosso, os nossos corpos juntos, enlaçados no meio do metro, numa cama que ia aparecendo. Éramos só nós. E chegava. Fora, uma repetição sussurrante de gemidos intensificou-se, e a saliva babava outra vez. Já fazia noite.
O metro desaparecera, era um quarto. Estavas em cima, cavalgando o prazer. Respiravas rápido, de boca entreaberta como que esperando um beijo do anjo que te fez. O teu cabelo selvático, a tua pele suada e os teus olhos serrados fechavam o nosso mundo ali, naquele momento, moldando o fim dos tempos àquilo, ao nosso amor, ao prazer de tantos séculos. Estávamos, obviamente, nus. Pele com pele, alma com alma. Diria que tinha passado dias naquela alucinação. Naquele beijo e naquele sexo. Naquele tudo que começou a desvanecer.
Uma claridade súbita, um branco agressivo a desfocar a realidade. Tu já tinhas ido, não sei para onde, mas foste, tal como vieste ou como te trouxeram – nua.

Acordou ofegante. A camisola encerrava-se no suor da pele, a saliva, essa, molhara já os calções. Foi aqui, tão suave como entardecido, que justificou o sonho na excitação que passara de dentro para fora. Assinou um prazer que, vivido na alma, sangrou na carne. Um prazer tão forte que voou entre dois mundos distintos, falsos entre si: um branco leitoso espalhava-se nos calções. Só isso, e ele sorriu. Os portões da manhã tinham chegado.
…e pensou: “Felizmente chegaram no seu tempo.”

domingo, 5 de junho de 2011

Flor negra

Sente-se as frinchas cortadas quando o cérebro se esvazia.

Sente-se o sangue coagulado debaixo da pele e as explosões fugazes das paixões a desvanecerem, gritos negros de fraco líquido sanguíneo.

Sentem-se as flâmulas da morte insone que me foste dando no meio das palavras, esgotos contaminando as minhas veias como quem acha um decapitado.

Sente-se a tua voz estridente incendiando os luares que deixaram de existir.

Sente-se a frívola dor do pesadelo que enxertaste violentamente em mim, que prometeste não deixar cair em cancros forçados, sentimentos arranhados pela lâmina com que me desfizeste.

Sente-se em todos os lados escuros o teu álcool grosso, os teus ranhos congelantes, as cinzas que tornas os humanos.

Sente-se a morte lenta a afogar os sonhos e os universos falsos entre as tuas coxas e os teus lábios.

Sente-se a tua língua mole, quase morta, a contorcer-se entre os pensamentos frios e duros dos homens.

Sente-se a ti, só isso, a passar no obscuro de cada cérebro inteligente e matá-lo nos sorrisos dos monstros, na brancura dos teus dentes canibais.

Sente-se a tua voz como serras que mutilem ossos e lágrimas.

Sinto-te, tão bem como sinto o meu coração a derreter no sangue coalhado dos loucos.

Sinto-te como quem sente os infernos cervejando a glória dos diabos…

…e, mesmo assim, vou-me lembrando de flores.








Saintbroken 5.6.11