quarta-feira, 25 de maio de 2011

Doença

Era de noite e estávamos, simplesmente. Sozinhos no termo de um capítulo, uma ausência do interno que nos rouba os dias. As noites, essas, passam-se no frio de um quarto…, no vazio de não te ter do lado. Éramos ali, os dois, passada a discussão, como ninguéns servidos, como dias esquecidos. Gritámos e de repente arrependo-me. É demasiado forte a bala que me trespassaste pelo órgão a que antes chamava coração. O nada persiste entre nós como ventos fugidos, lagares monótonos, frases por dizer…
Apesar do silêncio, das lágrimas que em mim caíam, do teu rosto calado, éramos, inconscientemente, um do outro. A traição que convidaste para o espaço a que chamávamos nosso, mata, inevitavelmente. Mas ias continuando ali, depois de tudo o que te disse, quieta. Nas janelas o futuro encravava-se entre o frio, e a lua congelava-nos o sentimento. Uma pequena camada de suor cobria-me mas tu…nada. Eras como sempre foste. Distante, perdida como os passados de outrora, …linda e encantadora. Dei comigo a lembrar os dias em que nos abraçávamos e dávamos às bocas o pecado perfeito, aquele desejo contínuo e insaciável, o instinto quase animal de nos querermos. Tão frivolamente me lembrei que sorri. E tu também. No meio de caras molhadas e enrubescidas estávamos, agora, juntos até nos ossos. Porque até aí mexes comigo, debaixo da pele, nos músculos. Fazias-me agora (como antes fazias) doente por ti. Uma doença a que vou gostando de chamar paixão. O suor começara a notar-se. Mais ainda quando reparo que, em baixo, já a excitação se instalara. Tu mantinhas o sorriso, e avançaste então. O chão era-te tão coordenado, tão salutarmente combinado, que doía. Dói só de pensar que acho o chão mais bonito porque andas nele. Dói pensar que estás na mesma sala do que eu, no mesmo espaço respirável. És como sempre foste, com todos os defeitos que me nasceram nos olhos, mas desejo-te. A ti e ao teu corpo. Tu, minha, só! E fiquei quieto à tua espera, a língua preparada para te arrancar esse sabor, os braços contraídos para te abraçar quase ao sufoco. Queria-te e continuavas a vir. Já não sentia as lágrimas, nem o nojo do suor ou o motivo porque estávamos ali. Perdi-me no meio de um cérebro em ebulição sensitiva, enfraquecido quando todas as moléculas explodiam. Tu parecias sempre igual, entre passos pequenos, pequenas porções de perfeição. “Vem e deixa-me devorar-te…!”
Paras…de repente. Pegas na mala, no casaco e sais. Nada dizes, nada fazes, só isso. Sais.
Aproximei-me da janela e vejo-te lá em baixo, com a mesma rapidez com que saíste. Engraçado que continuavas a sorrir. O destino levou-te a brancura dos dentes e os passos pela rua acima, ao de encontro com um vulto qualquer. Paras, e ele também. Abraçam-se, e, ao longe, fez-se nos meus olhos a imagem de vos ver, um beijo suave a percorrer-vos nos lábios. Tiraram de mim, assim sem pena, o que antes chamava vida. E ficariam ali, os dois, talvez mais tempo... Sei que fechei a janela.

…felizmente que a minha carabina funciona. Felizmente que ainda tenho nos dedos a força para montar as letras, e na mente a memória do que fizeste.
…infelizmente para ti, quando leres isto, já o teu erro te consumiu. Já pelos meus dedos (e pelas mãos de outros) se fez da traição pecado consumado. Já, inevitavelmente, está o teu amante morto. Como não sei, não quero saber. O seu sangue jorra, ou talvez nas veias lhe percorra outro qualquer líquido, ou não. Morto, é o que importa.


Um beijo,
O teu eterno marido.



Ps: talvez devas considerar voltar para casa, meu amor?





Fábio in 25.05.11